Um erro frequente na análise económica consiste em presumir que porque a taxa do IVA ou de outro imposto indireto baixa, os preços vão baixar na mesma proporção. É comum esperar-se que uma descida da taxa do IVA sobre certos produtos de 23% (“taxa normal”) para 6% (“taxa reduzida”), por exemplo (para contrariar a perda de poder de compra associada à inflação e à não correspondente subida dos salários), faça os consumidores pagar um preço 17% mais baixo. Ou que se o IVA a 6% sobre alguns produtos considerados essenciais passasse a zero, como sucedeu recentemente em Espanha, esses produtos ficariam 6% mais baratos. Quando isto na prática não acontece (e é normal que não aconteça), muitos se admiram e culpam os vendedores de se estarem a apropriar de um benefício que era suposto ser para o consumidor.
Em primeiro lugar, uma descida da taxa do IVA de 23% para 6% poderia no limite levar o preço a descer 13.8% e não 17%. O que temos neste exemplo é uma descida do IVA em 17 pontos percentuais (o que, em 23%, representa uma descida de 74%) e não em 17 por cento. Chamemos P ao preço sem imposto; com IVA de 23% este preço passa a 1.23P e com IVA de 6% é 1.06P. Então, a percentagem da descida do preço por redução do IVA de 23% para 6% é de , que é igual a -13.8%. Note-se que estamos a falar da descida do IVA, que é apenas uma fração do preço final, logo a sua descida não poderia fazer o preço descer na mesma percentagem.
Em segundo lugar, esta interpretação simplista esquece as elasticidades. Isto é, esquece a capacidade de a procura e a oferta se ajustarem a flutuações do preço, alterando as quantidades procuradas ou oferecidas. Se essa capacidade for nula ou muito baixa do lado da procura (por se tratar de um bem essencial, por exemplo, ou sem substitutos), esse lado suportará toda ou grande parte da carga do imposto e, portanto, beneficiará muito com a sua descida. Mas se, pelo contrário, a procura tiver muita capacidade de ajustamento (devido, por exemplo, à existência de muitos bens substitutos), então esse lado não terá quase benefício da descida da taxa do IVA, porque essa taxa também não lhe retirou muito bem-estar (ou excedente do consumidor).
Em situações intermédias, que serão as mais frequentes, o custo do imposto é repartido em função das elasticidades relativas (ou, dito de outra forma, da relação entre a elasticidade da procura e a elasticidade da oferta), mas não integralmente suportado pela procura ou pela oferta, pelo que o ganho gerado com a redução da taxa também não reverte inteiramente para nenhum dos lados do mercado e, por isso, não se pode esperar uma descida do preço final ao consumidor correspondente a toda a descida do imposto (isto é, a transmissão da descida, ou pass-through, não é total).
No exemplo acima, de redução do IVA de 23% para 6%, 13.8% é o majorante da descida do preço que os consumidores podem esperar, mas em geral será menor que isso, e tanto menor quanto mais elástica for a procura. No caso de bens alimentares essenciais poderá andar lá perto, mas no caso das bicicletas (que tiveram uma descida da taxa normal do IVA para a reduzida no dia 1 de janeiro de 2023, como forma de promover a mobilidade verde) talvez não. Por isso, há que fixar o aumento de quantidade que se pretende induzir (isto é, a acessibilidade ao bem) e fazer o raciocínio para trás: dadas as elasticidades relativas, quanto é que precisamos de reduzir a taxa de imposto (e eventualmente perder em receitas fiscais) para atingir esse objetivo.
Na verdade, tanto a procura como a oferta podem beneficiar de uma descida da taxa de um imposto indireto: os consumidores porque em princípio pagarão menos, os vendedores porque em princípio ficarão com uma parte maior daquilo que os consumidores pagam; uns e outros porque a quantidade transacionada tende a expandir-se, aproximando o mercado da eficiência económica e eliminando pelo menos parcialmente o custo de oportunidade social (ou carga excedente) gerado pela existência do imposto. O Estado pode ou não perder receitas fiscais, dependendo da magnitude da expansão da quantidade transacionada: se a procura e/ou a oferta forem muito elásticas, a quantidade de equilíbrio responde bastante à descida do preço e as receitas fiscais podem não se ressentir muito. Ou seja, em termos de Orçamento do Estado é melhor reduzir o IVA de bens não essenciais do que de bens essenciais.
O que está aqui em causa não é mais que a diferença entre incidência legal e incidência económica de um imposto: a incidência legal é irrelevante para a incidência económica, isto é, para quem é que acaba por pagar maioritariamente o imposto e financiar o Estado à custa da redução do seu bem-estar. As elasticidades são incontornáveis para determinar os impactos sobre procura, oferta e Estado associados à variação da taxa do IVA ou de outros impostos indiretos (tabaco, bebidas alcoólicas ou açucaradas, combustíveis, por exemplo).
Se admitirmos elasticidades não contantes ao longo do espectro de quantidades e preços que o mercado pode estar interessado em transacionar, então surgem naturalmente efeitos assimétricos na subida e na descida. Dito de outra forma, pode suceder a subida do IVA transmitir-se mais à subida dos preços do que a descida do IVA se transmite à descida dos mesmos. E esse grau de transmissão pode depender também do nível da taxa do IVA. Alguns estudos teóricos e aplicados têm mostrado e estimado essa assimetria (veja-se, por exemplo, Benzarti , Y., Carlone, D., Harju, J. e Kosonen, T., “What Goes Up May Not Come Down: Asymmetric Incidence of Value-Added Taxes”, Journal of Political Economy, Volume 128, Number 12, December 2020), que é também uma forma de justificar descidas de preço inferiores às esperadas quando o Estado reduz a taxa do IVA sobre alguns produtos.
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